GUERREIRO SOLAR

Um guerreiro não vê dor, porque ele já se viu sofrer.
Um guerreiro não vê desamor, porque já se viu esquecer.
Um guerreiro sabe quem ele é, porque já se viu brilhar no Sol da manhã.
O mesmo Sol, que brilha com amor sobre nós, não por haver sofrimento ou esquecimento, mas, por haver em nós, guerreiros sempre prontos para se verem abertos para a vida, como as flores abertas para o sol, e como o sol aberto para as flores do Dia.

MADE IN CHINA

ELES ESTÃO EM TODOS OS LUGARES
ELES ESTÃO EM TODOS OS LARES
NA SUA ROUPA
NO SEU CONSUMO
NO SEU RESTO
NO SEU DESUSO
NO LIXO CÁRMICO DO FUTURO

ELES QUEREM DOMINAR O MUNDO
ELES QUEREM SER MELHORES EM TUDO
ELES DESFILAM ARMADOS E PREPARADOS
PRÁ MAIS UMA GUERRA MUNDIAL
ENQUANTO O OCIDENTE FAZ AS COMPRAS DO NATAL

NÃO-CONFORME

EU VIVO NÃO-CONFORME AO QUE SE VIVE
EU PENSO NÃO-CONFORME AO QUE SE PENSA
EU VEJO NÃO-CONFORME AO QUE SE VÊ
EU ANDO NÃO-CONFORME AONDE SE ANDA

MEU TEMPO NÃO-CONFORME AO DO RELÓGIO
MEUS DIAS NÃO-CONFORME AOS DO CALENDÁRIO
MINHA ROUPA NÃO-CONFORME A MODA
E A NENHUMA ESTAÇÃO
MAS PRÁ POLÍCIA QUE ME PÁRA NA RUA
ESTOU CONFORME A UMA DESCRIÇÃO

MINHA ALMA NÃO-CONFORME AO SEU PARAÍSO
MINHA LOUCURA NÃO-CONFORME AO SEU HOSPÍCIO
MINHAS PORTAS SEMPRE ABERTAS
NÃO-CONFORME AO SEU CÁRCERE
MINHAS PALAVRAS NÃO-CONFORME AO QUE VOCÊ QUER OUVIR
E O QUE SOU
NÃO-CONFORME AO SEU AMOR

O AGORA AQUI NUNCA NASCEU ( ANTES E DEPOIS )

O vento da manhã sacode meus sonhos vagabundos

Ali
Piscando
Um fiapo de luz correu até minha alma

Meu novo corpo não tem nome e nem lamentos escorados
E toda nudeza
Será abençoada

TENHO

TENHO QUE ACREDITAR EM LEIS
E NO PODER DOS PAPAS?
TENHO QUE ACREDITAR EM POLÍTICOS
QUE GOVERNAM COM OS OLHOS NO ALTO
DE SUAS PANÇAS BUROCRÁTICAS?
TENHO QUE ACERTAR O RELÓGIO
PARA O PÊNDULO DA VIDA QUE INCERTO BALANÇA?
TENHO QUE FECHAR AS CORTINAS DOS OLHOS
QUANDO SE ABRE A JANELA DO DIA CRIANÇA?
TENHO QUE SOMBREAR FORMIGAS
TRABALHANDO SOBRE MEU DESCALÇO METAFÍSICO?
TENHO DE FALAR SOBRE TUDO
PARA NINGUÉM ACORDAR COM O SILÊNCIO DE NADA?
TENHO QUE FALAR NADA
PARA QUE NINGUÉM DESCONFIE DE TUDO?
TENHO DE PEGAR O ÔNIBUS FANTASMA?
TENHO DE PAGAR SUA PASSAGEM IMAGINÁRIA?

TENHO QUE NÃO CRER A TEMPO DE ACREDITAR
TENHO DE PERDER A TEMPO DE ENCONTRAR
TENHO DE ACABAR A TEMPO DE RECOMEÇAR
TENHO DE CHEGAR A TEMPO DE PARTIR
TENHO
TENHO
TENHO.....

TODO

Todo





O ramo é um Todo na palma inteira do Momento
O Presente na terra em que meus dedos rasparam profundamente
Ao levantar o ramo diante de meu olhar semente
Erguê-lo ao sopro cálido da brisa nua no meu rosto de vento

Vai
Correndo
Minha mente
Um campo eterno
Não há para aonde fugir

Todos os cantos nos levam a algum Todo
Manhãs que atravessam Tardes até as Noites
Acasos jantados no destino dos pratos
Momentos agonizam por todo o tempo do Ato
Sabemos o que nos espera se não formos a ela
A eternidade se torna uma espera em vão de nada
O Nada se torna uma espera eterna de Tudo
E o ramo espera ser de novo um Todo

VERDADE

Verdade



O que dizer da verdade? O que é dizer "algo" sobre alguma coisa? Enquanto penso e digo algo, estarei sempre há um passo da verdade plena. Passo perdidamente eterno. Mas quando eu paro sem dizer ou pensar...a plenitude indescritível não é algo de algo, nem coisa de coisa. É apenas indescritível de indescritível.

AGOSTO MAREJADO

.


Subi num ônibus de chuva

Gotas passaram por dentro de gotas

Descendo a janela embaçada

Como uma lágrima na borda do universo



.

CIDADE DOS PRAZERES

DESCEMOS COM A NOITE À CIDADE DOS PRAZERES
ONDE VIVER É UM JOGO E OS CORPOS SÃO QUENTES
HÁ LOUCOS ESPRAIADOS NUM SONHO EMBRIAGADO
E ÁVIDOS PELA NEGLIGÊNCIA DOS RATOS
FINDAS NOITES RETALHADAS NUM BLUSÃO DE ÊXTASE
ORGIAS MÍSTICAS COM BRUXAS ARCANAS LÍVIDAS
MENDIGOS XAMÃS
COM SEUS ANDRAJOS MÍSTICOS
DANÇAM SOBRE O FOGO DE LIXOS
OLHOS FLAMEJANTES
VEEMÊNCIA DOS SAPOS
ROBUSTOS CRÂNIOS FLORADOS

VAMOS PASSAR ALGUNS BONS MOMENTOS
COM GAROTAS E UM UÍSQUE INFALSOS NO TEMPO
POR QUE O AMOR É O NOSSO ADVENTO
NA CIDADE DOS PRAZERES
ONDE VIVER É UM JOGO
E OS CORPOS SÃO QUENTES

OH NÃO!
AVISTAMOS A LAMÚRIA DO SOL
VINDO DERRAMAR SEUS SÉCULOS DE DOR
SOBRE O LEITO OCIDENTAL
UM INCESTO CARNAVAL DE ESPECTROS DE LUZ
PROLIFERAÇÃO DE ESPÉCIES NÃO-REAGENTES
CONVULSÕES DE MASSAS
CONVULSÕES DE DROGAS
FALÊNCIAS MÚLTIPLAS URBANAS
A DOR QUE NOS LIBERTA
O AMOR QUE NOS COMPLETA
ANJOS OU DEMÔNIOS
DEUSES OU MONSTROS

LAMENTO DE UM MENDIGO

Sob neons e faróis derretidos na rua submersa Vestígios solitários do vazio ambulante do espaço Onde caminham as mentes náufragas esfarrapadas Cuspindo palavras por algum trocado Exautos de falar línguas seculares e andar descalços de amor Faminto por humanidade Dentro desta selva de canibais vitorianos velados pelo o fantasma gregoriano Até quando? Quanto mais o dinheiro vai mandar no mundo? Esse Deus de papel que só ama quem se joelha por ele Todos que ajoelham para sobreviver Dependem da sobrevivência de outros joelhos Os joelhos não são eternos Mas a dependência parece ser Mas se o homem agisse como senhor de sua própria vida Não haveria pena ou ressentimento Nem submissão ou dependência Nem súditos promíscuos e prosélitos idôneos Pois a caridade não pode principiar de uma ação imposta por uma idéia de benevolência E sim De uma simples ação natural e inflexível Que reconhece todos os potenciais obscurecidos E suprimidos pela imposição do mundo de sempre haverem famintos Para que possa sempre haver valores e poderes suplantados de benevolência Que os torne reconhecidos e justificados Há alguém aqui Debaixo desta pele enferrujada De uma locomotiva humana Há um ser senciente Pensante consciente E minha igreja? Está aqui agora Dentro e fora da mente. Absoluto

ALMOÇO PERDIDO

É HORA DE ALMOÇAR
MAS DESPREZO A FOME
ESTOU FAMINTO POR ALGO VIVO
E ACABO COM O OLHAR DISTANTE E FRÍGIDO
NAS PAREDES DE UM INFERNO VERDECIDO
ORNAMENTADO COM GARRAFAS DOURADAS
E SEREIAS NUNCA VISTAS EM UM BAR
RETRATADAS COM CERVEJAS E REFRIGERANTES
ESPIRROS E CATARROS ETÍLICOS
SOANDO COM VOZES SOMBRIAS E EXTENUANTES
UMA SINFONIA INFERNAL E EXUBERANTE
PELO O CORREDOR MORTAL DESTE VELHO BAR
DESÇO O RUM COM VIOLÊNCIA TORPE
ABANDONO MAIS UM FILTRO NUMA COVA DE CINZAS
ENQUANTO AS PESSOAS ENTRAM E SAEM
DE VOLTA PARA SUAS VIDAS
PARA SUAS VERDADES PROFANAS
E MENTIRAS SAGRADAS
QUE AS FAZEM SEMPRE VOLTAR
POR ESSE CORREDOR MORTAL
AONDE BASTA UMA MELANCOLIA VIBRACIONAL COM O DEDO
PARA TER SEU COPO SEMPRE CHEIO

ENTRO NA RUA TEMPESTUOSA
DESÇO DO ÔNIBUS NEBULOSO
MEUS SAPATOS ESTÃO DESAMARRADOS
ESTOU TRÊMULO DE EMBRIAGADEZ
ESTOU LOUCO E ESQUIZOFRÊNICO
CÁIO EM DELÍRIO NUMA CALÇADA FLÁCIDA
PERDI O GUARDA-CHUVA E A PASTA
MINHAS RISADAS SÃO SERVIDAS EM TAÇAS
PELO O SENHOR GOTA-GOTA DA REALIDADE
PERDI MINHA CHAVE QUEBRADA NA PORTA DE CASA
PERDI A MEMÓRIA SOBRE MEU MERGULHO NO JARDIM
PERDI MINHA VIDA PARA O CORREDOR MORTAL
PERDI O MEU AMOR PARA O MERCÚRIO RETRÓGRADO
PERDI A CONSCIÊNCIA NO CHÃO DA COZINHA
PERDI MEUS SAPATOS PARA UM CANTO SOLITÁRIO
PERDI A NOÇÃO DA LOUCURA
PARA A PRÓPRIA LOUCURA

E ONTEM SERÁ OUTRO DIA

E ONTEM SERÁ OUTRO DIA
O RELÓGIO INDICA
O PRÓXIMO MOVIMENTO EM VÃO
PARA HORAS JÁ ACABADAS
É TEMPO PARA TUDO
INDICA MEU RELÓGIO NERVAL SECRETO
MEU CORPO É UM FAROL
QUE PROJETA MIRAGENS NO DESERTO
QUANDO ESTOU PARADO AINDA NA MINHA MARCA
ESPERANDO O SINAL DE LARGADA
PORQUE O SINAL NÃO SOA?
QUEM MAIS IRÁ FAZER SOAR O TIRO DE LARGADA
PARA DAR IMPULSO AO VÔO DO ESPÍRITO?
PÁÁÁÁÁ!
LÁ SE VAI ELE
EM SALTOS TRÊMULOS DE PERFEITA DESORDEM
SUAS ASAS AINDA RÍGIDAS BATEM EM DESESPERO OBLÍQUO
ARTICULAÇÕES IDEOLÓGICAS TRABALHAM
FEITOS DÍNAMOS RESSONANTES DE VIDA E LIBERTAÇÃO
ENFIM A VENTANIA APLAINA MINHA DISSENSÃO
E DEIXO-ME LIBERTAR DA DUALIDADE JÁ EM EQUILÍBRIO
EM PLENO VÔO RESPIRANDO O INEBRIADO ALÍVIO DA ALMA
COM TODA SUA NUDEZA DESPRENDIDA
DA ILUSÃO ESCATOLÓGICA DA INFÂMIA HUMANA
MEU ESPÍRITO AGORA É UMA TORMENTA VULCÂNICA
VIBRANDO NA CONDENSAÇÃO DE MIL SÓIS
ARDENDO EM MAGMA COMUNHÃO ORGÁSTICA
ATÉ EXPLODIR COMO UM GOZO UNIVERSAL
EXPANDIDO MASSIVAMENTE SUA EJACULAÇÃO CÓSMICA
POR TODOS OS LADOS POR TODOS OS VAZIOS
ABRASANDO E IMPREGNANDO COM SUA PORRA ETÉRICA
OS ASTROS RODOPIANDO NO VÁCUO
E OS MUNDOS E REALIDADES ADJACENTES
EM ESPAMOS E CONTRAÇÕES UNIVERSAIS SINCRONIZADOS
E ACASALADOS ETERNAMENTE
AAAAAAH!

PRIMEIRO DESALENTO DE JULHO

MEUS OLHOS BRILHAM COMO PÂNTANOS ALUCINÓGENOS
O CANTO DO PÁSSARO ECOA NA MINHA ALMA
A SAUDADE DE VOAR COMO UMA FLECHA SEM ROTA
ENTRE A BORRADA PÚRPURA DO SOL
NO FIM DA TARDE DE ESPLÊNDIDA SOLIDÃO
E O ÚTERO DA NOITE DANDO À LUZ A ESCURIDÃO

PÁSSAROS COMEÇAM A ENTOAR UMA RESPOSTA
AO LAMENTO PRISIONEIRO
DO PÁSSARO ENCERRADO NUMA GAIOLA
POR PESSOAS ENCERRADAS EM SUAS PRÓPRIAS CASAS
QUE PARECEM TÚMULOS TEMÁTICOS
RESPIRANDO SUAS PRÓPRIAS DECOMPOSIÇÕES
CULTIVANDO SUAS COVAS COM REPRODUÇÕES

QUE DIREITO TEMOS
DE SUICIDAR AS OUTRAS VIDAS JUNTO COM NÓS?
QUE DIREITOS TEMOS
DE IMPEDIR O FLUXO NATURAL
DE VIDA E MORTE DE UM PÁSSARO?
UM PÁSSARO DEVE MORRER LIVRE
COMO NASCEU LIVRE
ASSIM COMO AS PESSOAS QUE ESQUECERAM QUER SER LIVRE
NÃO É TER SEMPRE COMIDA EM SEUS PRATINHOS
OU ÁGUA EM SEUS POTINHOS
OU JORNAIS SEMPRE NOVOS PARA SEREM CAGADOS
SOBRE AS MESMAS NOTÍCIAS DIA APÓS DIA
E SER AGRACIADO NOTADO E DESPREZADO

ILHA DE PENAS

A LIBERDADE DO CORPO E DO ESPÍRITO
DE PARTICIPAR DA EXPERIÊNCIA DA VIDA
É UMA LEI NATURAL PRESENTE COMO CAUSA PRIMEIRA
NA CONSCIÊNCIA EXPERIMENTAL DOS SERES
É A EXPERIÊNCIA NATURAL DOS PÁSSAROS VOAREM
ELES NÃO COSTUMAM ENJAULAR SEUS PARENTES
E NEM OS HUMANOS PARA... SEI LÁ PRÁ QUE
EU ATÉ AGORA NÃO ENTENDO PRÁ QUE DISSO

LEVAREI COMIGO A DOR DESTE PÁSSARO
LEVAREI ESSE LAMENTO ECOANDO NA MINHA ALMA
ATÉ A AUSÊNCIA DOS MEUS PASSOS NESTA TERRA
MAS NÃO SEI SE ODEIO OU LAMENTO ESSAS PESSOAS
PARECE QUE SÓ PODEREI AMAR SUAS MORTES
MAS ELAS JÁ ESTÃO MORTAS
EM MEIO A POEIRA E AS MOBÍLIAS

QUERO DESTROÇAR AQUELA PRISÃO RÚSTICA
QUERO BERRAR COMO UM LOUCO MINHA INJÚRIA
QUERO XINGAR OS INFÍES DA NATUREZA LIVRE
MAIS DE REPENTE O PÁSSARO SE CALA
E PARECE COMPREENDER A MENSAGEM DOS SEUS IRMÃOS
DE QUE TUDO ESTÁ CERTO E ERRADO AO MESMO TEMPO
MAS NÃO POSSO VALIDAR ESSA CONFORMAÇÃO
NÃO ASSIM TÃO FÁCIL
QUERO ARREBENTAR OS PORTÕES DESTA CASA VIL
ENTRAR E LIBERTAR O POBRE PÁSSARO
QUERO SER CHAMADO DE LOUCO
QUERO SER ESPANCADO E REPREENDIDO
QUERO SER JOGADO NA VIA PÚBLICA
ESPUMANDO DE RAIVA E COM O OLHAR DESOLADOR
QUERO VER AS COMADRES EXALANDO
SEUS TRÁGICOS ODORES EM DISCUSSÕES ÚMIDAS
DE SALIVAS INCANSÁVEIS DE IRONIA
QUERO VER OS OLHARES INDIFERENTES E FUGITIVOS
QUERO VER OS SEUS JOGOS CHEIOS DE TENSÃO
MAS VEJO TUDO ERRADO E CERTO AO MESMO TEMPO

DEIXO-ME CALAR COMO AQUELE PÁSSARO
ACEITANDO ESTA TRISTE CONDIÇÃO
POR FALTA DE ESPERANÇA NA RAÇA HUMANA
POR NOSSA LIVRE CONTRADIÇÃO

MORTE

Quem faz a morte
São as lágrimas cinzentas
Dos olhares batidos
Embotados, estáticos
Frios, seguindo a fila
Vagarosa e pálida
No trajeto silencioso
Até a cova do ente morto
(mas não estariam eles, também mortos?)

Somos amados
Por nossa chegada
Tornar a vida amável

E somos lamentados
Por nossa partida
Tornar a vida lamentável

A partida é a última lembrança de nossa chegada
Onde não basta só chegar a cada temporada
É preciso chegar de vez como se tudo fosse a morada
Antes de vibrar a vez da cadência última
Consumindo o fio tênue da indução temporal

Mas a morte é sempre amável com o lamento final
Mas a morte tem um suposto coração
Natural

POEMA DO SOL

Seus olhos tocaram no fundo de minha alma

Cravados gentilmente como arpões secretos

Recém lapidados da mais obscura esmeralda

Puxando-me através do vão do presente

Para encontrar sem paredes o seu mistério flutuante

Então dois universos se colidem

Na tormenta mágica do momento esvaziado de instantes

Libertos das entidades fantasmas e rédeas cênicas do “eu”

Nosso novo corpo entregue numa gota de imensidão derramada no vazio

O coração silencioso transbordando a inteireza sem fim

Sem palavras ou lógicas discursivas ou velhas lembranças premonitórias da mente

Sem passado inesperado ou futuro iminente

Apenas a descoberta do que nunca fôramos sem precisarmos termos sido

Provando a verdade nua e úmida

E lambendo paraísos brotados na pele

Velejamos tranqüilos sobre o vento escaldante do êxtase

O amor e a morte são desejos da dor

Mas nenhum desejo com forma e sentido cabe no amor realmente

O amor está em tudo e nada mais cabe em seu lugar

A paixão não conhece formas e nem sentidos para amar

Não conhece nem nossos corpos e almas quando estão prestes a se entregar

Ela só confia

Até se atira do alto do abismo com os olhos fechados

Porque sabe quem está a morrer lá embaixo

E sabe quem está a voar com asas douradas até o Sol

Para brilhar intensamente desde hoje até sempre

DEUS

Onde está Deus?

Está bebendo da poça de água

que escorreu do bueiro de uma esquina qualquer?

Está fazendo loucos remendos com uma imunda colher

em suas vestes de retalhos com precisão cirúrgica?

Está largado com restos de pães sujos no concreto

e o olhar petrificado no pó dançante ao sopro rasteiro do vento?

Está maravilhado ou sem pensamentos

vislumbrando o destino de tornar-se o pó de suas criações?

De tudo virar pó?

De a vida ser uma dança de fragmentos?

Onde a existência se despedaça numa forma qualquer de nada?

A cada minuto, segundo, milésimo, partícula, quark, instante?

Onde nenhuma violência, fome, dor e desamparo poderiam existir?

Onde uma partícula de poeira seria uma tênue morada

sem fachadas, muros e cercas elétricas?

Onde poderia ser rodopiado pelo o vento e ser vislumbrado

pelo o olhar intenso e maravilhado de um mendigo bebedor de bueiros?

E Deus sempre esteve nisso tudo?

Onde ele esteve enquanto se perguntava?

Apalpando o tornozelo de barro seco imaginando ser uma constelação de pó?

ESPINHO VERDE

TARDE DE INVERNO

_{O SOL CONJURADO PELOS SERES SENCIENTES AO FRIO}

_{SE AQUECENDO NO SEU BRILHO CALVO DE CLAREZA}

_{ATIRADOS NO VAZIO SOB O CÉU CAOLHO}

_{QUENTES E RELAXADOS COMO REALEZAS}

_{OS CACHORROS SE ESPREGUIÇAM NO MATO}

_{DORMENTES E PRESENTES}

_{RECOSTO-ME NO MURO PARA O PRÓXIMO ATO}

_{ABRIR UM LIVRO DE SALMOS MARGINALIZADOS}

_{E SE ENCANTAR COM A POESIA DE SANTOS LUNÁTICOS}

_{NÃO SABATINADOS E NEM INGÊNUOS PIEDOSOS}

_{PORQUE ELES CONHECEM A LOCOMOTIVA HUMANA}

_{E CONHECEM A ESSÊNCIA DAS COISAS PRONTAS PARA NADA}

_{DESPERTANDO DE TUDO}

_{PARA DEZ BILHÕES DE MORADAS NUM SEGUNDO}

_{O TEMPO TEM CADAFALSOS QUE DÃO PARA A ETERNIDADE}

_{QUEM CAI ESTÁ SEGURO}

_{À TARDE TRABALHO RECOLHENDO AS PODAS DA LARANJEIRA}

_{E AS COLOCANDO SOBRE PILHAS DE GALHOS E FOLHAS}

_{NUM VAZIO ALI PRESENTE NO ENTULHO DO TERRENO}

_{JÁ PENSOU DESPEJAR NADA NO VAZIO?}

_{OU TALVEZ}

_{TIRAR UM INTERVALO INFINITO PARA DESCANSAR?}

_{O QUE RESTA DE NOSSO AGENTE DA REALIDADE}

_{SE TIRAR-LHE AS SENSAÇÕES?}

_{QUEM É O VERDADEIRO AGENTE?}

_{É O ENTULHO}

_{O TERRENO}

_{OS GALHOS}

_FOLHAS

_PODAS

_MATO

_{FEZES DE CACHORRO}

_{MARIPOSA MORTA}

_{REBOCO RACHADO DO MURO}

_MURO

SOMBRA DESLOCADA

_{PULGAS MONTANHISTAS DE CACHORRO}

_{LUZ DO SOL}

_{LIVRO AMARELADO}

_{BARRO NA SOLA DO SAPATO}

_BARRO

_SOLA

_SAPATO

_PÁSSAROS

_{CASACO POEIRENTO}

_EU

_{NO AVESSO DE TUDO}

_{ESSAS INÚMERAS FORMAS EFÊMERAS}

_{TEM APENAS UMA FORMA E UMA DESIGNAÇÃO}

_{CONJUNTA E ETERNA:}

_INFORMAL

_{COMO UM ESPINHO VERDE}

_{QUE SANGRA MINHA MÃO}

_{QUANDO ESTOU ERGUENDO}

_{UM RAMO DE ANJOS ARRANCADOS DE SUA LEGIÃO}

RUAS CHUVOSAS DE PORCELANA

DENTRO DESSA CAMISA-DE-FORÇA DA REALIDADE

ESTOU LOUCO E SEDENTO PELA A LIBERDADE

ANDO POR LOTEAMENTOS DESÉRTICOS

IMERSO NA ESCURIDÃO PÚBLICA

MEU ISQUEIRO É ACESO PROFANAMENTE

PELAS MINHAS MÃOS TRÊMULAS DE ÂNSIA

MAS A CHAMA SE APAGA BRUTALMENTE

PELO O EXÉRCITO DE CHUVA QUE SOBRE MIM AVANÇA

FOGO!

EU AGORA DESLIZO PELAS RUAS CHUVOSAS DE PORCELANA

MARY POPPINS VEIO ATÉ MIM VOANDO DA JAMAICA

E DISSE:

“EI PEIXE-GATO TRISTE!”

“LEVANTE A CABEÇA E BRINDA A TUDO E A NADA”

LÁ VOU EU COM AS PONTAS DOS AROS DO GUARDA-CHUVA

BATENDO NAS GRADES DE FERRO QUE ENJAULAM AS CASAS

TIM-TIM!

AS RUAS PARECEM ANTIGOS SONHOS

E PAISAGENS NEBULOSAS DE FÁBULAS URBANAS

NUVENS INCESTUOSAS COPULAM

E TROVEJAM A CADA ORGASMO NUBÍVAGO

PINGOS DE AMOR CAEM E FORMAM

LAGOS SECRETOS SEDUTORES NO ASFALTO

CARROS VÃO PARA ALGUM LUGAR DO VAZIO

ASSIM COMO MEU GUARDA-CHUVA ESFUMAÇANTE

QUE VAI REVELANDO AOS MEUS OLHOS A CADA INSTANTE

MINHA SOLITÁRIA E MOLHADA TRAJETÓRIA

SEMPRE EM FRENTE PARA O MEIO DE NADA

PARA NENHUMA CHEGADA

POR NÃO HAVER NINGUÉM ESPERANDO MINHA VOLTA

CÃES DE RUA PREDADORES DE SACOS DE LIXOS

PROCURAM RESTOS QUE LHES DÊEM SOBREVIVÊNCIA

NO MEIO DE PRATOS E COPOS DESCARTÁVEIS

NASCIDOS DE UM PESADELO INDUSTRIAL

USADOS EM ALGUMA FESTA OBSCURA PARA MINHA CONSCIÊNCIA

TRÊS MENDIGOS ESFARRAPADOS E LOUCOS

FERVEM COM PRECISA DEVOÇÃO

ALGO IMPRECISO NUMA LATA

ENTRE CARRUAGENS DE FERRUGENS

ANGELICAIS ESTACIONADAS

E CASTELOS DE PAPELÃO

ESSES REIS RENEGADOS DA HISTÓRIA HUMANA

CONTINUAM A MEXER O MESMO CALDO QUENTE DE PENÚRIA

E DESILUSÃO.

O SOPRO

FLORESTAS INCANDESCENTES DO ÚTERO DO IRREAL

NO CEMITÉRIO OS CRÂNIOS FAZEM PROMESSAS CINZENTAS DE AMOR

A NOITE SEDUZ O AMANTE BOÊMIO COM O PERFUME SENSUAL DA DOR

TÍBIAS ILÓGICAS FORA DO ALINHAMENTO METAFÍSICO DAS RUAS

UMA GARRAFA É QUEBRADA NO CHÃO

COMO UMA NAU DE VIDRO

SOPRADA PELO O DEUS-PEIXE DA DESILUSÃO

CONTRA OS ROCHEDOS DA PRAIA DA LOUCURA

UM BRINDE AOS NÁUFRAFOS DO UNIVERSO

AGORA EM AREIAS BRANCAS

COM MULHERES TRIBAIS E NUAS

A FARMÁCIA É CLARA

COMO UM TEMPLO DE LUZ GLADIADO E CELESTIAL

VIEMOS PEDIR UM REMÉDIO QUE NOS DÊ LUZ TERMINAL

CAMBALHOTAS MÁGICAS NA CALÇADA QUÍMICA

EM FRENTE A UM PONTO DE TÁXI SOB ÁRVORES SOMBRIAS

ROLANDO DE PRAZER PELO O CHÃO

COMO TATUS BOLINHAS VERDES FOSFORESCENTES

MIJANDO EM TELEFONES PÚBLICOS

VOMITANDO DISCURSOS SECRETOS E INDECENTES

EM MUROS SOLITÁRIOS

CANTEIROS, LIXEIRAS, PANFLETOS

E ACORDAR COM TORMENTAS GÁSTRICAS

O OLHAR DE DEMÊNCIA ANGELICAL

SOBRE A CAMA SUANDO VISÕES

DE ROSTOS ESTRANHOS E PAISAGENS OBSCURAS

DO ENTORCE DA REALIDADE

RISADAS LOUCAS E TELEPÁTICAS

ECOAM DE VOLTA PARA O PRESENTE

NOITE AZUL NUM SONHO TROPICAL DE SHIVA

LITERATURA E LOCOMOTIVAS

CONVERSAÇÕES SEM FIM PARA UM FIM INSACIÁVEL DA MENTE

FUMAMOS MEDICINA NATURAL

DISCUTIMOS A AMEAÇA CHINÊS

ENTRE BUKOWSKI, BUDISMO E CARAMUJOS MORTAIS DA ÁFRICA

ESTRELAS DE FOGO SE DISSOLVEM EM NOSSAS LÍNGUAS ÁCIDAS

QUANDO EU MORRER

EU MEREÇO UM CÉU DE QUEIJO DERRETIDO

COM ANCHOVAS CADENTES

CALMARIA

Deixo-te amar em silêncio
Provar das nossas almas em repouso
A calmaria que há
No engenho mortal de nossa maquinaria
E até no trapézio solar já te vi lá
Embebida de luz vertendo cristais alquímicos
Sonhos nus e exauridos flutuam sedutores no ar
Damos a pousar enroscados numa flama espiral
Sobre as areias brancas de uma praia à beira (a)mar
Livres para passar o extinto tempo dos amantes
Devorando estrelas adormecidas
Colhendo dos cabelos da aurora, diamantes
E um uivo marinho navega o vento
Vindo ancorar uma benção em nossos pórticos corações
Velhas crianças do mar e da terra
Misturados numa só calmaria rodando pelas eras

PERMANENTE

Às vezes o amor permanece nas manhãs

No suor dos lençóis enroscados

No cheiro humano dos travesseiros

Nas roupas atiradas em célebres atos...

As vezes o amor permanece nas noites

No trêmulo lençol angustiante

No vazio humano por todos os lados

Na saudade presente do ausente abraço...

Às vezes o amor é impermanente mesmo junto à pele

Mas você mesmo junto à lonjura comigo permanece

Deste o primeiro raio de sol a luzir o meu desejo

Até o último brilho das estrelas a luzir o meu degelo

Às vezes minha cabeça me enlouquece com tanta fantasia

Às vezes minha fantasia encabeça minha loucura

Quero pousar no seu jardim como um corvo-marinho

Quero lamber sua nuca e afundar meu rosto no seu cabelo de linho...

A solidez do amor é permanente em qualquer solidão

A loucura do amor também....